terça-feira, 27 de outubro de 2009

Bêbado: o amador e o profissional


Sim, existem os amadores e os profissionais. E são facilmente reconhecidos. Pra começar, o profissional está sempre penteado. Despenteou, esteja certo de estar diante de um bêbado amador.

O amador é chato. E não tem exceção. Ele pode até não ser chato quando sóbrio. Mas passou da terceira dose, é dose.

Não sei como, mas o bêbado profissional nem hálito etílico exala. Pelo contrário, chega a ser até perfumado. Já o bafo do amador chega antes dele. Pior que hálito de bêbado amador, só mesmo bêbada amadora. É mesmo uma desgraça.

O profissional jamais - jamais! - bate em mulher. Pelo contrário, chega com fala mansa e diz palavras leves. Geralmente leva. Apareceu falando alto, te cuida que é amador.

O profissional sempre chega em casa dirigindo sem bater. Não se lembra como, é claro, mas chega. O amador nem acha o carro. E nem se lembra, no dia seguinte. Acorda tentando reconstituir a noite para saber em que gole ficou a viatura.

O bêbado profissional que se preza, jamais fala no ouvido da gente, muito menos coloca a mão no ombro da pessoa a quem se dirige. Já o bêbado amador é especialista em ouvidos, ombros e -mais tarde - colos. Também costuma conversar segurando na sua mão, seja homem ou mulher.

Quando um deles vem chegando com aquele olhar de bebum, basta olhar os sapatos. O do profissional está limpo. Do amador está - inclusive - desamarrado.
No tempo em que eu bebida - e me considerava profissionalíssimo - um conhecido escrito e bêbado profissional foi até a minha casa. Servi um uísque para nós dois e ele me perguntou:

- Quantas garrafas você tem em casa?

Diante de tal pergunta imaginei que ele fosse mamar (Bêbado profissional odeia essa expressão) mais que uma.

- Mas esta está cheia!...

- Você é amador! - e deu uma golada e uma gargalhada. - Amador! E eu que te considerava um profissional...

Fiquei indignamente sóbrio:

- Como amador??? Como?

- Meu querido, um profissional do álcool não tem apenas uma garrafa em casa.

- Bem, eu tenho mais um guardada.

- Oito, meu filho, oito. Um bebedor tem que ter no mínimo oito garrafas em casa. E da mesma marca.

- Mas eu não bebo nem uma por dia...

Ele, se servindo de mais uma dose:



- Pois é aí que mora o perigo, a culpa! Veja essa garrafa. Você fica bebendo e vendo ela esvaziar rapidamente. De manhã ela estava cheia, de tarde já pela metade. De noite vazia. Ou seja, você fica bebendo e vendo o quanto você já bebeu! Dá culpa, você se sente um alcoólatra. Se fosse um profissional, teria uma aqui na mesinha, outra ao lado do computador, outra no criado-mudo, na cozinha, na sala de jantar, uma perto da biblioteca e até uma no quarto das crianças. Não é a garrafa que deve circular pela casa. E sim o copo. E você. Assim, meu querido amador, você não sente a garrafa se esvaziando em algumas horas, na sua cara, te dedando, te culpando. Cada uma que você pega estará sempre quase cheia. E não dá culpa. Pensando bem, você nem percebe que está de pilequinho. Me serve outra. Olha aí, já bebemos metade. Assim não é possível! Faça-me o favor!

(Mário Prata - As Cem Melhores Crônicas)





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