domingo, 15 de novembro de 2009

O Chuveiro


Já estão clonando gente. as vacas ficaram loucas, já mando e-mails com imagem e som. Tudo evolui no mundo. Tudo, até o guarda-chuva. Menos o chuveiro. Não o chuveiro em sim, mas a regulagem da temperatura. não existirá ninguém no mundo preocupado com isso?

Na nossa casa, tudo bem. A gente conhece bem a torneira da direita e a da esquerda e, quase que automaticamente, consegue que a temperatura da água fique como a gente quer.

Mas é ir tomar banho noutra casa que a coisa complica. Esquenta ou esfria.

Nos hotéis, por exemplo, o problema é internacional e cada vez pior. Pode ter zero ou cinco estrelas. É sempre uma luta.

Primeiro, que não colocam mais aquelas bolinhas vermelha ou azul para você começar as negociações. Vermelho é quente, azul é fria. Então você tem que ligar uma delas e ficar esperando que esquente. E o problema é que a gente nunca sabe quanto tempo demora para esquentar. Mas digamos que não esquente. Você fecha aquela torneira e abre a outra. E fica esperando. Mais ou menos o tempo da primeira, e nada. Chega-se à conclusão de que a quente é a outra. A essa altura, os dois braços já estão molhados. De água fria, é claro.

Vai de sete a nove minutos para você descobrir qual é a quente, depois de umas quatro tentativas. Agora começa o problema maior. Regular as duas. Você está pelado, você abre a fria (a da direita, não vá esquecer). Aí tudo fica muito frio. Você diminui uma, aumenta um pouco a outra, chega no ponto, já com as duas pernas molhadas pela água fervendo. Aí você entra, começa o banho.

De repente, a coisa começa a esquentar, esquentar e você tem que sair dali de baixo. Está pelando (do verbo pelar, tirar a pele). Olha para as duas torneiras. Qual mesmo que é a fria? Nunca mais acerta. O melhor é desligar as duas até o fim e começar toda a operação. Consegue, de novo, depois de muita luta, o corpo todo já molhado, mas fora do jato. Aí vem uma onda fria (da Argentina?) e gela tudo. Qual mesmo que é a quente?

Depois de 20 minutos, em que - aparentemente - a água está no seu ponto,você nota que o jato está vindo muito grosso, levanta o braço para rosquear lá em cima, para a coisa ficar mais aberto. Aí abre demais, passando ao largo da sua cabeça pegando, no máximo, na ponta dos dedos, se os braços abertos estiverem. Aí, já com as duas mãos, você torce a coisa para o outro lado. É quando pára tudo e começa a sair tudo pelo chuveirinho que fica serpenteando pelo box, feito uma cobra. E, inexplicavelmete, a água volta a ferver.

Nesse momento, geralmente, você está com a cabeça toda ensaboada.

A única vantagem de tomar banho em hotel é que ninguém está vendo sua inglória luta. Sim, porque o chuveiro do hotel humilha qualquer um. A impressão que eu tenho é que quando você consegue regular a coisa, um cidadão resolve tomar banho num outro apartamento e, dependendo da quente ou fria que ele use, desregula o hotel inteiro. Então temos que considerar isso também. Vou deixar de uma maneira tal, que se aquele gringo do 1086 for tomar banho só frio lá em cima, vou perder só dois graus aqui em baixo.

Dentro de pouco tempo você está fazendo contas mirabolantes, considerando os 800 quartos do hotel. Todos, claro, tentando regular o deles, e conseqüentemente, desregulando a sua vida.

São bobagens como essa que a gente fica pensando quando faz 55 anos e se pergunta: preciso esquentar ou esfriar minha vida? Mas como fazer isso sem depender das outras pessoas? Se todo mundo está regulando em cima de você e você nem sabe se o bom é pela esquerda ou pela direita?

Ou seja, estamos todos nas mãos dos encanadores. Estamos sempre entrando pelo cano.

É uma fria, não é?

Extraído do Livro: As Cem Melhores Crônicas, que na verdade são 129 - Autor - Mário Prata.

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