domingo, 1 de novembro de 2009

De mãe para mãe







Dona Matilde acordou com o mesmo cansaço de sempre: dor nas costas, as pernas doloridas e uma tristeza à beira da depressão. Rolou preguiçosamente na cama, pegou o controle remoto sobre a mesinha de cabeceira e ligou a televisão, trocando os canais até o noticiário das sete, na Record. 


A reportagem mostrava a rebelião na Febem, jovens correndo no pátio, tropas da polícia militar, fumaça no telhado e um refém ameaçado no alto da janela. Ela ia desligar, quando outra cena lhe chamou atenção: uma senhora desesperada, chorando do lado de fora, entrevistada pela repórter: 


- Pelo amor de Deus, gente! Não é justo transferir meu filho para tão longe! Será que o governador não se toca que está punindo é a gente? 
Dona Matilde reconheceu a mulher como à mãe do menor que matou o seu filho e lembrou a cena do dia fatídico: o filho caído no chão, a poça de sangue em volta do seu rosto e a dor insuportável da perda. 


As lágrimas salgavam seus lábios, quando ouviu a repórter perguntar: 


- A senhora quer fazer algum apelo? 


- Quero sim! Quero pedir ajuda da pastoral penal, direitos humanos, das Ongs do cárcere, da ONU, de Deus e de quem puder ajudar!- Disse a mulher. 


- A senhora pode dar o endereço para contato?- Perguntou a repórter. 


- É só escrever para associação dos moradores da favela dos “Filhos de Gandi”, dizer que é pra dona Mercedes, mãe do Binho, em Osasco, São Paulo. 


Dona Matilde meneou negativamente a cabeça, anotou o endereço e desligou a televisão. 


Três dias depois, dona Mercedes abria a carta de dona Matilde: 






De mãe para mãe... 


Vi seu protesto na televisão contra a transferência do seu filho da FEBEM, em São Paulo, para o interior do Estado e suas dificuldades em visitá-lo. Observei o interesse que a mídia deu ao fato e vi que não só você, mas outras mães estão na mesma situação e contam com o apoio de Comissões Pastorais, Órgãos e Entidades de Defesa de Direitos Humanos, Ongs, etc.

Eu também sou mãe e posso compreender o seu protesto, até porque também é enorme a distância que me separa do meu filho. Sou uma mulher simples, ganho pouco e tenho as mesmas dificuldades e despesas para visitá-lo. 


Com muito sacrifício, só posso fazê-lo aos domingos porque trabalho inclusive aos sábados, para auxiliar no sustento e educação do resto da família. Felizmente conto com o meu inseparável companheiro que desempenha, para mim, importante papel de amigo e conselheiro espiritual. 


Olhe você ainda não sabe, mas sou a mãe daquele jovem que seu filho matou estupidamente no assalto a uma locadora, onde trabalhava de dia para pagar os estudos à noite. 


No próximo domingo, ao abraçar e beijar seu filho, estarei depositando flores no humilde túmulo do meu, num cemitério da periferia de São Paulo... 


Somos mães e sofremos, mas nunca apareceram representantes dessas entidades na minha casa ou cemitério para, pelo menos, me dar uma palavra de conforto e indicar “os meus direitos”, se é que os tenho.

Mesmo ganhando pouco e sustentando a casa, estarei pagando de novo o colchão que seu querido filho queimou, na última rebelião da FEBEM. 


E para finalizar, gostaria que soubesse que ainda sofro muito, mas com o tempo terei paz...




Matilde. 




Biografia: 

Autor: Walter Monteiro

Sou formado em psicologia, com vinte anos de trabalho nos presídios do Rio de Janeiro, fiz direito com propósito de ajudar as família dos encarcerados, criei uma ong e me aposentei. Escrevo cronica em jornal de minha cidade, no gazeta e sonho publicar um livro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pessoal, estou aberta a qualquer comentário que queiram fazer... opinar, criticar, sugerir... aguardo!

Adicione o Tolerância Um!!! aos seus favoritos

Adicione aos Favoritos Adicione aos Favoritos