Existem 117 maneiras de um amor acabar, sendo 14 delas de algum modo ligado ao tédio, 12 a fatores metafísico (como a conversão de um dos dois a uma religião oriental enquanto o outro não apenas continua cético como faz pouco do seu corte de cabelo), 27 a fatores físicos (pele oleosa, etc) e 30 à interferência de terceiros e / ou familiares, o que dá 83. Sobram as 34 maneiras de o amor acabar que entram na categoria de Diversos. Por exemplo:
Heitor acorda de madrugada e dá fala de Ana na cama. Vai ver e ela está no computador.
- Ana, você sabe que horas são?
- Sei, cinco da tarde.
- Não, cinco da madrugada.
- Cinco da tarde em Okinawa. É a melhor hora para falar com pap.arroba.pac.mic.aá.agá.pê.tse.
- Quem?!
- O Tetsuo. Sabe que a iniciação sexual dele foi com um "cucumber"?
- O que é isso?
- Pois é, eu não sei.
- Vocês estão trocando confidências sexuais pela internet?
- Não, dados bibliográficos. Sexo com um "cucumber", seja lá o que for é um dado bibliográfico.
Ela acessa o dicionário de inglês do computador, murmurando:
- "Cucumber", "cucumber"...
- Ô Ana, você fica aí na frente dessa tela assim... Pelo menos se vista.
- Que bobagem... Heitor, você sabia que "cucukold" em inglês, é marido enganado?
- Ana, ou você desliga o computador ou...
- Pepino!
- O quê?
- "Cucumber" é pepino. Estranho... Sexo com um pepino?
Ela começa a escrever para o Tsetsuo, falando enquanto digita: "How... you... make... sex... with... cucumber..."
Heitor se aproxima. Não sabe o que é. Talvez o reflexo da tela iluminada do computador na pele branca de Ana, talvez a própria idéia do "cucumber"... Ele acaricia o seio da mulher.
- Vem pra cama, vem. Larga esse negócio e vem pra cama com o seu...
Ana o afasta com um cotovelaço, sem tirar os olhos da tela.
- Heitor, como você é... Como você é...
- Como eu sou o quê?
- Pré-eletrônico!
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Outro exemplo. Com as perspectivas da promoção e do aumento prometidos, Danilo e Suzana trocaram de apartamento. Vão para outra vizinhança, com outro nível. Mas, no primeiro dia no novo apartamento, Suzana saiu correndo do quarto, com robe de chambre, e anuncia:
- Tem um homem me espiando!
De uma janela de um dos prédios vizinhos, um homem olha para o apartamento deles, de binóculo. Danilo vai para a janela, furioso. - "Tarado! Doente!" - e dá vários socos na palma da mão, mostrando o que faria se pagasse o sem-vergonha. Depois olha melhor e quase pula para trás.
- Meu Deus!
- O que foi?
- É o Almeida! O meu chefe! Eu não sabia que ele morava aqui!
- E agora!
Danilo abana para o homem, amistosamente. Faz um gesto querendo dizer que retira os socos. Transfere os socos para seu próprio queixo, querendo dizer que é um idiota que merece apanhar. Pensa em procurar o número do Almeida no guia para lhe telefonar e pedir desculpas até se lembrar que eles ainda não têm telefone. Vai buscar uma lanterna e transmite uma mensagem em código Morse, na esperança de que o Almeida também seja ex-escoteiro. "Desculpe. Lamentável engano." E depois de pensar um pouco: "Eu te amo."
E a todas essas o Almeida na janela, olhando através do binóculo, sem se mexer.
O amor de Suzana acaba quando Danilo a puxa para frente da janela, afasta a frente do seu robe e diz:
- Abre um pouquinho aqui pro Almeida ver melhor...
(Luiz Fernando Veríssimo - Livro Comédias Brasileiras de Verão)
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