sábado, 17 de abril de 2010

A arte de conversar

Estou hoje com bem pouca disposição para escrever.

Conversemos.

A conversa é uma das coisas mais agradáveis e mais úteis que existe no mundo.

A princípio conversava-se para distrair e passar o tempo mas atualmente a conversa deixou de ser um simples devaneio do espírito.

Dizia Esopo que a palavra é a melhor, e também a pior coisa que Deus deu ao homem.

Ora, para fazer valer este dom, é preciso saber conversar, é preciso estudar profundamente todos os recursos da palavra.

A conversa, portanto, pode ser uma arte, uma ciência, uma profissão mesmo.

Há, porém, diversas maneiras de conversar. Conversa-se a dois, en tête-a-tête; e palestra-se com muitas pessoas, en causerie.

A causerie é uma verdadeira arte como a pintura, como a música, como a escultura. A palavra é um instrumento, um cinzel, um crayon que traça mil arabescos, que desenha baixos-relevos e tece mil harmonias de sons e formas.

Na causerie o espírito é como uma borboleta de asas douradas que adeja sobre as idéias, sobre os pensamentos, que suga-lhes o mel e o perfume, que esvoaça em ziguezague até que adormece na sua crisálida.

A imaginação é uma prisma brilhante, que reflete todas as cores, que decompõe os menores átomos de luz, que faz cintilar um raio do pensamento por causa de suas facetas diáfanas.

A conversa a dois, ao contrário, é fria e calculada como uma ciência: tem alguma coisa das matemáticas, e muito da estratégia militar.

Por isso, quando ela não é um cálculo de álgebra ou a resolução de um problema, torna-se ordinariamente um duelo, um combate.

Assim, quando virdes dois amigos, dois velhos camaradas, que conversam intimamente e a sós, ficai certo de que estão calculando algebricamente o proveito que um pode tirar do outro, e resolvendo praticamente o grande problema da amizade clássica dos tempos antigos.

Se forem namorados en tête-a-tête, que estiverem a desfazer-se em ternuras e meiguices, requebrando os olhos e afinando o mais doce sorriso, podeis ter a certeza que ou zombam um do outro, ou buscam uma incógnita que não existe neste mundo - a fidelidade.

Em outras ocasiões, a conversa a dois torna-se, como dissemos, uma perfeita estratégia militar, um combate.

A palavra transforma-se então numa espécie de zuavo ao ponto do ataque. Os olhos são duas sentinelas, dois ajudantes-de-campo postos de observação n'alguma eminência próxima.

O olhar faz as vezes de espião que se quer introduzir na praça inimiga. A confidência é uma falsa sortida; o sorriso uma verdadeira cilada.

(...)

(José de Alencar - "Ao correr da pena" - pág 319 a 321)

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